Fichamento


 
Lições dos Mestres, de George Steiner. Traduzido por Maria Alice Máximo, pela Record em 2005. Lesson of Masters é sua publicação original, de 2005. 

Note que o livro é composto de introdução p. 11, seis capítulos: 1. Origens duradouras p. 19; 2. Chuva de fogo p. 55; 2. Magnificus, p. 83; 4. Maítres à penser p. 117; 5. em solo nativo p. 153; 6. O intelecto que não envelhece p. 183; Posfácio p. 217 e Indice, p. 225. 

A little taste: 
p. 11
Introdução
"Professor a meio século, tendo dado aulas em muitos países e sistemas de ensino superior, descubro-me cada vez mais inseguro quanto a legitimidade desta "profissão" e quanto os pressupostos que lhe são subjacentes. [...] raramente paramos para pensar no que é essa magia da transmissão, nos seus recursos nem sempre legítimos, no que à falta de definição mais precisa, eu chamaria de mistério da coisa o que dá ao homem ou a mulher o poder de ensinar a um outro ser humano de onde provém essa autoridade? [...] Essas perguntas que deixavam perplexo Santo Agostinho, permanecem sem respostas no clima literário de nossos dias. 

p. 12
O território da alma tem também seus vampiros. [...]Wagner desdenha do Fausto moribundo que havia sido seu magister. [...] Por um processo de interação de osmose, o Mestre aprende com seu discípulo enquanto lhe ensina. A intensidade do diálogo gera a amizade no seu mais elevado sentido. Pode englobar tanto a lucidez quanto o que há de incompreensível no amor [...] O tema desafia qualquer estudo abrangente e é de natureza planetária. [...]O que significa transmitir (tradendere) e de quem para quem é essa transmissão legítima? 

p. 13
[...]"'o que se transmite agora'" (paradidomena) nunca são transparentes. Pode não ser por acaso que as raízes semânticas de "traição" e "traduction" [em inglês "di famação"] não estejam muito distantes da de "tradição". [...] o genuíno ato de ensinar tem sido considerado por muitos uma imitatio de um ato transcendental ou, mais precisamente, divino de revelação, daquele desdobramento interior de verdades que heidegger atribui ao Ser (aletheia). As cartilhas seculares e os livros de estudo avançados mimetizam os livros sagrados originais que, por sua vez, em leituras filosóficas e mitológicas, eram comunicados oralmente. [...] esse é em essência, o modelo que fundamenta o professor da Torá, o explicador do alcorão, o comentador do Novo Testamento. 

p. 14
o exemplo [...]dispensa a palavra[...]O ensino válido é ostensivo. Demonstra. Essa "ostentação" tão intrigante para Wittgenstein, tem respaldo na etimologia: dicere, era a palavra latina para "mostrar", e somente mais tarde passou a significar "mostrar pela fala"; no inglês medieval, token e techen têm a conotação implícita de "o que mostra" (será o professor, afinal, um showman?!) em alemão deuten significado "indicar" é inseparável de bedeulen, "significar". Essa contiguidade leva Wittgenstein a negar a possibilidade de qualquer instrução textual honesta em filosofia. No que conserne a moralidade, somente a vida real do Mestre serve como demonstração. Sócrates e os santos ensinam com sua existência. [...] a perspectiva de Foucault tem sua pertinencia. Ensinar pode ser considerado um exercício de poder, assumido ou não. O Mestre possui poder psicológico, social, físico. Pode premiar e punir, excluir e promover . Sua autoridade é institucional carismática ou ambas as coisas. 

p.15 
Sustenta-se por promessas ou ameaças. [...] como veremos é essa concepção do ensino como uma força bruta elevada a um tom de histeria erótica que é satirizada em A lição de Eugêne Ionesco. Praticamente não estudadas estão as recusas a ensinar, a doxa - a doutrina e o material a serem ensinados - seja considerada perigosa demais para ser passada adiante [...]A história tem exemplos de casos assim, relacionados à alquimia e à Cabala. 

p. 16
Obviamente, as artes e as ações de ensinar são, no sentido mais puro dessa palavra frequentemente mal usada, dialéticas. 

p. 19
1. Origens duradouras
O legado cultural do Ocidente tem suas fontes específicas. Em um grau surpreendente, os costumes, os temas que continuam a orientar nossa vida escolar, nossas convenções pedagógicas [...] O espírito de nossas conferências [...] muitas das próprias técnicas de retórica do ensino não deixariam surpresos os pre-socráticos. É uma continuidade milenar que pode constituir nossa principal herança e o eixo do que chamamos, sempre de maneira provisória, de cultura ocidental. 

p. 20
A imagem de Hegel é cativante: é somente com Heráclito que a história da filosofia, ela mesma filosofia, alcança terra firme. Heráclito o enigmático e instigante aforista, como os antigos a ele se referiam. [...] chegamos a um dos nossos temas principais; o da oralidade. Antes da escrita, ao longo de toda a história da escrita e desafiando a própria escrita, a palavra falada é parte integrante do ato de ensinar. O mestre fala ao aluno. de Platão a Wittgenstein o ideal da verdade vivenciada é o da oralidade, o da palavra dita face a face e da sua resposta. Para muitos professores e pensadores eminentes, a redução de suas lições à imobilidade silenciosa da palavra escrita implica inevitáveis perturbações e traição de idéias. 

p. 24 (sofistas)
O termo tem tido um sentido pejorativo ao longo da nossa hitória, tem a conotação de argumento enganador, de habili-

p. 25
dade para assumir qualquer um dos dois lados antagônicos com o mesmo entusiasmo retórico, de virtuosismo lógico sem substância ou referência moral. Sofisma é sinônimo de ostentação verbal e eloquência intencional a serviço de quem o usa. Há apenas poucas décadas essa tradicional conotação negativa vem sendo reconsiderada. [...]jacqueline de Romily percebe nos sofistas os indispensáveis agentes do que chamamos de democracia ateniense. de grande pertinência para meu contexto é seu papal no desenvolvimento do ensino, do mundo acadêmico e libresco que conhecemos. 

p. 26 
De alguma forma, os sofistas foram capazes de vencer o que Rudolf Pfeiffer chamou de "aversão grega, profundamente arraigada, à palavra escrita." Nossas convenções de pedagogia sistemática de analise gramatical e hermenêutica e de citação de texto aí se originam. Desenvolvemos alunos (paideuein) em pensamento lógico e atenção a detalhe. Essa deve ser a base técnica e portanto ensinável, da retórica e das habilidades a ela relacionadas. Pois, a despeito de sua erudição cultivada e de sua modernidade, os sofistas invocaram como seus predecessores os rapsodos divinamente inspirados, cantores da verdade. Cada um desses elementos é refletido em Sócrates, cuja atitude em relação a Pitágoras e a G´[orgias é um complicado hibrido de ironia e respeito, de rejeição e mimésis. Para seus contemporâneos, Sócrates era um eminente sofista [...] A percepção dessa ambiguidade provoca a zombaria de Aristófanes em Nuvens. 

p. 28
Como, exatamente desde os sofistas, grande parte da filosofia "acaba sendo feita" em universidades e por homens e mulheres com qualificações profissionais públicas, apenas porque os participantes desse empreendimento esperam receber e recebem salários, temos a tendencia de não atentar para a estranha problemática de seu ofício. [...] membros titulares de mandarins, com sua mecênica de indicações e remuneração, essa situação parece "normal". 

p. 29
O magistério autêntico é uma vocação. É um chamado [...] Rabino em hebraico, significa simplesmente "professor". 

p. 30
a percepção que Ovídeo expressa de pitágoras em Metamorfoses XV é encantadora: "seus pensamentos chegam muito longe às alturas onde habitam os grandes deuses do céus, e sua imaginação contemplou visões que sua visão mortal não alcançaria. Tudo ele estudou com a mente cuidadosa e ansiosa por aprender e trouxe de volta o que havia aprendido e sentou-se entre as pessoas ensinando-lhes tudo que fosse valioso, e elas ouviram em silencio...[...] não há maior maravilha que vagar pelas alturas estelares, deixar as regiões sem encanto desta terra, cavalgar as nuvens, alçar-se aos ombros de Atlas e ver lá longe, lá embaixo, as diminutas figuras a verem-se sem rumo, sem razão, aflitas, temendo a morte, e aconselha-las a fazer do destino um livro aberto. 

p. 31
Ensinar seriamente é pôr as mãos no que há de mais vital no ser humano. É tentar ter acesso ao que há de mais sensível e de mais íntimo da integridade de uma criança ou de um adulto. Um Mestre invade, força a abertura, é capaz de devastar a fim purificar e reconstruir. [...] um estilo de instrução cínico - quer seja cinismo consciente ou não - são perniciosos. Destroem a esperança pelas raízes. 

p. 32
O ideal do verdadeiro mestre não é uma fantasia romântica ou uma utopia sem qualquer alcance prático. Aqueles entre nós que são afortunados certamente terão encontrado Mestres verdadeiros.

p. 33
Por que descuido ou vulgarização teriam me pago para tornar-me o que sou, se - e isso me fazia sentir uma crescente estranheza -  teria feito bem mais sentido se fosse eu a pagar aqueles que me convidam a ensinar? [...] Mais realisticamente, o Mestre, o pensador e questionador, ganhará o pão de cada dia com um ofício desconectado de sua vocação. [...] Peirce - o filósofo mais importante produzido pelo novo mundo - produziu sua portentosa obra formidavelmente original na mais absoluta pobreza e solidão. 

p. 34
A efetivação no cargo de professor universitário é uma armadilha e uma droga de efeito tranquilizante. [...]Essas questões coincidem com a entrada dos sofistas na cidade. Elas surgem da transição, bem mais gradual do que às vezes supomos, da oralidade para o livro. 


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O ano 2012 me trouxe essa leitura. Fez todo sentido - morri - com todo aquele preparo para ser "a melhor professora que podia ser" estampada na parede... crises de pânico,daí reli meus textos feitos à mão, desenhos à lápis e carvão, boneca flor descabelada, saquinhos pra presente, livrinhos agulheiro e calendário... foi como puxar a alavanca certa quando aquela porta pra inteligência falha. Ler é fantástico!




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